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Religiosidade ancestral


Ao estudar para uma prova de Pensamento Social e Político Brasileiro, me surpreendi com o que li sobre a Igreja. Pensava que a religiosidade por mera formalidade era algo bem recente. Mas quem diria que Auguste de Saint-Hilaire, em 1822, e Sergio Buarque de Holanda, em 1936, já estariam mostrando os graves problemas que a Igreja no Brasil vem enfrentando.

"Auguste de Saint-Hilaire, que visitou a cidade de São Paulo pela semana santa de 1822, conta-nos como lhe doía a pouca atenção dos fiéis durante os serviços religiosos. “Ninguém se compenetra do espírito das solenidades”, observa. “Os homens mais distintos delas participam apenas por hábito, e o povo comparece como se fosse a um folguedo. No ofício de Endoenças, a maioria dos presentes recebeu a comunhão da mão do bispo. Olhavam à direita e à esquerda, conversavam antes desse momento solene e recomeçavam a conversar logo depois.” As ruas, acrescenta pouco adiante, “ viviam apinhadas de gente, que corria de igreja a igreja, mas somente para vê-las, sem o menor sinal de fervor”." (Raízes do Brasil: Saint-Hilaire citado por Sergio Buarque de Holanda, 1936)

Este é um trecho que retrata um período onde a instituição religiosa católica exercia uma influência poderosa na sociedade. E já naquela época podemos perceber o quanto os fiéis possuíam uma fé tão mecânica. Seja como fruto da estrutura católica da época a qual o clero ainda era o estamento que mais possuía instrução das Escrituras e, portanto, ensinava o que achavam importante, ou seja porque não havia o interesse por parte dos leigos em querer descobrir para além do que aprendiam, mas, claro, há de se destacar também que a maior parte da população era analfabeta. Todavia, quero apontar para a existência desse sistema ancestral que produzia uma religiosidade ancestral e que foi herdado pelo Protestantismo.

Naquela época os clérigos não precisavam atrair pessoas para os templos porque tudo que era feito na cidade envolvia a instituição católica. As pessoas só se preocupavam com sua salvação e viam na figura dos clérigos pontes que as conectavam à Eternidade através do ensino, da confissão e do perdão de pecados. A instituição ditava a mensagem que queria transmitir ao povo e, de modo geral, essa mensagem não era o Evangelho de Cristo. Havia um conjunto de práticas, doutrinas e ensinamentos que constituíam um sistema de deturpação da Verdade àquela época. E a motivação era a manutenção da instituição católica no centro da vida social, política, pública e privada dos indivíduos.

Com a chegada do Protestantismo ao Brasil décadas depois e a ascensão dele, esse mesmo sistema precisou se adequar para continuar existindo e um novo modelo surgiu. Para identificá-lo contarei um caso muito frequente acerca das instituições protestantes.

ENTENDENDO UM CICLO SISTÊMICO DOS TEMPLOS CRISTÃOS PROTESTANTES Um grupo de pessoas sai de um templo porque acredita que aquele templo está corrompido com falsos ensinamentos. E que há um sistema perigoso que corrompe a mensagem do Evangelho e adoece a fé das pessoas. E então decidem se organizar e criarem uma nova denominação, residente em um novo templo com o objetivo sincero do coração de somente pregar o Evangelho genuíno. Um templo despende gastos: aluguel, água, luz, limpeza etc. Ao contrário das instituições católicas que recebiam o apoio do Estado para manterem seus templos, aqueles que abriram um novo templo não podem arcar com os gastos a longo prazo, então necessitam de membros que, por meio de ofertas, ajudarão a manter o templo. 

A mensagem do Evangelho é escândalo para o mundo e nada atrativa. Uma mensagem que nos apresenta como pecadores os quais foram imerecidamente comprados e perdoados. Que tira o nosso foco das distrações deste mundo e que nos estimula a pensar na Eternidade que, até então, é algo imaterial e impalpável. Que nos ensina a negar nossas vontades e a ter o árduo trabalho de se relacionar com Deus e aprender a sair da zona de conforto e se importar com o próximo sem esperar nada neste mundo em troca. Mãos vazias! Uma mensagem de confronto ao nosso ego. Somente os humildes e sinceros de coração que, mesmo escandalizados com a mensagem do Evangelho, se rendem a ele, e estes são pouquíssimos ("muitos são chamados e poucos os escolhidos"). Os irmãos então pensam: "Poxa, nós precisamos pregar o Evangelho genuíno, mas não temos condições de arcar com os custos do templo. E as pessoas não chegam porque não se sentem atraídas! O que faremos?". Então, sutilmente, pensam "Vamos pregar um Deus que prospera, que cura, que liberta e que abençoa, afinal, isso também é bíblico e temos certeza de que atrairá pessoas!". Eis que, então, as pessoas começam a aparecer no templo, atraídas pelas promessas de solução das necessidades materiais. Agora que o templo está cheio, vamos pregar o Evangelho genuíno? Espera, mas não foi por isso que as pessoas foram atraídas. E então o templo se esvazia novamente. E mais uma vez temos as promessas de bênçãos tomando o lugar da mensagem do Evangelho. O número de membros cresce e torna-se necessário hierarquizar pessoas e burocratizar procedimentos e práticas que, no decorrer do tempo perdem o sentido, mas que acabam sendo sacralizados e dogmatizados. A mensagem do Evangelho já começa a ocupar um lugar distante no meio da congregação. E, por não terem sido ensinados a se alimentar da Palavra de Deus, os líderes tornam-se na principal fonte de sustento espiritual dos membros e mantenedores desse mesmo sistema que um dia quiseram combater. 

E os membros se tornam puramente religiosos, indo ao templo simplesmente para cumprir protocolo. Fiz parte de uma congregação de determinada denominação que vivia de campanhas. E essas campanhas se repetiam pelo menos a cada 1 ano, com as mesmas mensagens bíblicas e com a mesma direção de petição. Os membros já estavam tão acostumados, que simplesmente oravam inúmeras vezes por algo que já tinham orado pouco tempo antes. Outros sequer sabiam porque estavam participando.

Eis que, ao longo dos anos, temos mais um templo corrompido pelo sistema que se alimenta da estrutura física e da burocracia dele. E o ciclo se repete com novos irmãos insatisfeitos e criando um novo templo para, com a sinceridade de coração, quererem pregar o Evangelho genuíno aos moldes de um sistema perigoso, corruptor e diabólico. 

Infelizmente há séculos que esse tipo de sistema existe. E ele foi constituído quando certas questões foram negligenciadas como "é necessário templos para adorar a Deus e viver em comunhão com os irmãos?", ou, "os templos são uma ordenança de Cristo ou apenas uma alternativa para se reunir os irmãos?", ou ainda, "se eu cultuo a Deus e tenho comunhão com os irmãos, e, no entanto, não congrego em um templo, sou condenado e não faço parte da Igreja de Cristo?". Essas são questões simples que podem ser respondidas e que nos ajudam a compreender o papel do templo na nossa vida cristã.

Apesar de poucas se manifestarem, existe uma quantidade considerável de pessoas que enxergam esse sistema e que, todavia, não conseguem se ver sem ele. E essa é de fato uma questão-chave para todos nós. O que fazer quando se decide sair desse sistema? Para onde ir? Que rumo tomar? Meu pai sempre diz que quando eu apresento um problema, devo me esforçar para apresentar uma solução. Reservarei um post só para discutir isso. Aguardem! 

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"Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios". 1 Tessalonicenses 5:6

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