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O Evangelho, o Racismo e a Identidade Cristã

Recentemente o mundo ficou chocado com a morte de um homem negro, George Floyd, por policiais brancos no estado de Minnesota, nos Estados Unidos, e reacendeu mais do que nunca a discussão sobre o racismo tão presente na sociedade, ainda que menos escancarado do que décadas atrás. Protestos se espalharam por todo o país e chegou às portas da Casa Branca em Washington D.C. Aqui no Brasil, a morte do menino Miguel, ocasionada pela negligência de uma mulher branca em cuidar momentaneamente do filho de sua empregada negra enquanto ela passeava com seus cachorros em plena pandemia do Covid-19, também causou protestos e comoção nacional. Alguns amigos me perguntaram sobre qual o papel da Igreja na luta contra o racismo e por que é um tema tão pouco abordado entre os cristãos. Inicialmente tratarei da segunda pergunta por ser simples a resposta: porque a Igreja ainda não quer lidar com tabus. Pode parecer banal, mas a Igreja global, sobretudo a brasileira, ainda não está disposta a lidar com temas sociais que sejam polêmicos, que podem manchar sua imagem perante a sociedade ou que requerem grande esforço para se alcançar um entendimento bíblico, e o racismo é mais um desses temas. As consequências da omissão são graves e visíveis dentro das congregações. E onde há ignorância ou dúvida, Satanás encontra terreno fértil para plantar mentiras, preconceitos e intolerância nos corações, além de ódio, mágoas e indiferença. Acerca de qual o papel da Igreja na luta contra o racismo, desejo me delongar um pouco mais, pois quero que todos compreendam porque lutar diretamente contra o racismo ou qualquer outro problema social — homofobia, machismo, xenofobia ou fundamentalismo político e religioso — é perda de tempo para um cristão. E a justificativa para isso se encontra no poder do Evangelho enquanto ideologia divina, do Espírito Santo enquanto agente transformador e constituidor de nossas identidades e, por outro lado, do espírito de iniquidade que atua no mundo.


O Evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê (Romanos 1:16) e se constitui nas boas-novas de que Cristo morreu em nosso favor (1 Coríntios 15:1-5) estando nós perdidos e indesculpáveis em nossos delitos (Romanos 3:23; Efésios 2:1-3). As boas notícias foram proclamadas, contudo, o seu cerne está firmado sobre uma exigência dada por Jesus:

 

"Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a sua vida por minha causa e pelo evangelho a salvará."

(Marcos 8:34-35).

 

Desta forma, o Evangelho quando alcança a vida de uma pessoa lhe impõe um dilema: continuar vivendo uma vida conforme os padrões de injustiça desse mundo ou negar a si mesmo, incluindo suas paixões, convicções e, se necessário, sonhos, para seguir ao Senhor. Como esse texto é escrito para cristãos, suponho que todos os leitores tenham seguido a segunda opção e, assim, estejam em um processo de renúncia do seu próprio "eu" em servidão ao Filho de Deus. Neste momento, portanto, entra o Espírito Santo, pois nenhuma renúncia em nós seria possível sem o agir transformador Dele. É Ele quem primeiro nos convence acerca dos nossos pecados, do padrão de conduta correta exigida por Deus a nós — também chamado de justiça — e das penalidades imputadas sobre nossas escolhas — em outras palavras, o juízo de Deus (cf. João 16:8). À vista disso, biblicamente falando, a Igreja é o conjunto de pessoas regeneradas em Cristo onde toda ausência de amor a Deus e ao próximo é suprida pelo próprio Amor, eliminando, portanto, a presença de ideias nocivas como, por exemplo, a idolatria (uma vez que insulta a Deus em razão de nossas próprias cobiças), o racismo (uma vez que inferioriza o próximo em razão de sua cor) e a homofobia (uma vez que desrespeita o próximo em razão de seu pecado). Parafraseando o querido irmão Ed René Kivitz,

 

"Ela é a Igreja de Jesus. Ela é a fraternidade universal. Ela é a família plural. Ela é a comunhão de toda a gente. Ela é a Igreja, esse escândalo cósmico da multiforme graça e sabedoria de Deus. Ela é o que há de mais belo, porque ela é a única comunidade onde não existe judeu e nem grego, não existe escravo e nem livre, não existe macho e nem fêmea, homem e nem mulher. Ela é a expressão de mais belo, porque ela é a Igreja, o lugar onde não existe distinção de raça. Não existe racismo na Igreja! Ela é dela porque, na Igreja, a branca e o preto, o branco e a preta, se abraçam como irmãos — porque ela é a Igreja: a comunidade de toda raça, toda tribo, toda língua e de toda nação. Ela é bela porque na Igreja não existe [...] classismo, não existe pobre e nem rico. Num mundo de fome a Igreja é o lugar onde nunca falta pão. É a Igreja a mesa onde cabe todo mundo. Ela é a comunhão e a partilha, a generosidade e a solidariedade. Ela é a Igreja! Onde não existe machismo, feminismo, heteropatia, homofobia, misoginia, porque na Igreja [...] Jesus Cristo é tudo em todos. E, por isso, ela é gloriosa, porque ela é a encarnação do Amor e nada brilha mais do que o Amor. Mas, por isso, ela tem que ser corajosa, porque no mundo de barreiras, de segregação, de exclusão, ela é a Noiva do Leão que reina com o Cordeiro." (Mensagem de Ed René Kivitz no videoclipe "O Leão e a Igreja" da banda Preto no Branco)

 

Todavia, em Mateus 13:24-30;36-43, Jesus fala acerca do joio que nasce entre o trigo no campo. Esta parábola pode ser facilmente aplicada na realidade da Igreja, uma vez que dentro de qualquer congregação pode ser notada a presença de pessoas genuinamente convertidas e de falsos convertidos (conscientes ou não desse estado). Isso quer dizer que existem pessoas no meio cristão ainda com pensamentos e valores mundanos, sendo o racismo, a homofobia — entenda que eu me refiro aqui ao desrespeito contra o indivíduo homossexual, não à discordância com suas práticas, sendo esta última perfeitamente fundamentada nas Escrituras —, a misoginia ou a xenofobia como reflexos do pecado não renunciados por algumas pessoas. O joio é caracterizado como sendo pessoas que, recebendo o Evangelho, não o acolheram em seus corações, preferindo continuar em suas velhas vidas de pecado e injustiça. O fato é que estes só serão separados dos verdadeiros cristãos na vinda de nosso Senhor, o que nos leva a deduzir que tais problemas continuarão sendo um problema cada vez mais frequente. Isso porque o espírito de iniquidade que estimula a frutificação do pecado nos corações humanos já atua neste mundo e de forma cada vez mais intensa com o decorrer dos séculos (2 Tessalonicenses 2:7).


Como o cristão pode e deve, portanto, lidar com o racismo, a misoginia ou a xenofobia sofrida por ele ou por pessoas próximas? Entendendo e afirmando a sua principal identidade, ou seja, a de filho de Deus.

 

"Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne nem pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus."

João 1:12-13

 

Esta é a forma mais eficaz de vencer os males deste mundo, não por meio do ataque, uma vez que somente Cristo tem o poder de extinguir o Maligno e suas obras demoníacas, mas da defesa, impedindo que seus dardos inflamados nos atinjam. Em outras palavras, para o cristão, e pegando como exemplo a luta contra o racismo, ela só é eficaz quando impedimos que ele descaracterize aquilo que em Cristo nós ganhamos: uma identidade. Nossa identidade não é mais definida pela nossa cor, pelo nosso gênero, pelos nossos recursos financeiros ou pelo nosso lugar de origem, mas por aquilo que Jesus fez de nós. É necessário nos apropriarmos disso, porque somente assim não seremos abalados pela falta de amor humana ou pela falsa esperança dos homens em doar suas vidas por ideologias falhas e infinitamente inferiores à ideologia divina, santa e perfeita do Evangelho. Se apropriar de uma identidade celestial nos torna imunes à imanência da maldade terrena. Deseja que seu amigo não convertido pare de se importar com o racismo sofrido? Pregue para ele o Evangelho e faça-o compreender a superioridade da identidade concedida a nós por Jesus. Anseia parar de sofrer com comentários xenófobos sobre a sua origem? Cristo te oferece uma nova identidade legitimada e justificada Nele, forjada por Seu sangue que nivela todos os homens a um mesmo patamar com Sua graça. Como disse Ed René Kivitz, em Cristo, não existe branco, negro, homem, mulher, rico, pobre, escravo, livre, grego ou judeu, pois Ele é tudo em todos. Aquilo que causa divisões entre os seres humanos, revela-se insignificante diante de nosso Salvador. Ele ordena que nós amemos uns aos outros e a ordenança do amor faz cair por terra todas as nossas convicções pecaminosas e preconceituosas em relação ao próximo.


O mundo é incapaz de enxergar a ineficácia de seu esforço em suprimir males que derivam de si próprio (Mateus 15:19). Ativistas de todas as áreas possíveis e em todas as gerações da história da humanidade deram suas vidas por causas de pouco sucesso, ou, ainda que duradouros, que não contribuíram para uma evolução moral do mundo em seu sentido amplo. É como podar uma árvore sem, contudo, arrancar a sua raiz. Os ramos morrerão, mas nascerão outros em seu lugar. O mesmo vale para a árvore da iniquidade. Um mal é arrancado e em seu lugar surge outro. A única forma de impedir o mal de continuar crescendo nos corações humanos é plantando neles a semente do Evangelho. Somente o Evangelho é capaz de impedir o crescimento da maldade até o dia em que sua raiz seja arrancada por completo (na nossa morte ou na volta de Cristo). É por essa razão que as boas-novas se fazem superiores a toda e qualquer ideologia humana, porque enquanto essas tentam e fracassam em produzir o bem aos homens, o Evangelho não só promove o bem a eles, como também promove o bem neles.


Que busquemos e vivamos, portanto, convictos e inabaláveis acerca da nossa identidade em Cristo — a de que somos filhos amados de Deus — e da superioridade de Seu Evangelho sobre toda ideologia humana, sobre todo racismo, toda homofobia, toda xenofobia, misoginia, classismo etc! Que Cristo seja tudo em todos nós enquanto Igreja Dele. Amém. Que a Paz seja convosco!


(Obra de Michael Reeder)

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